quinta-feira, 29 de maio de 2014

ARCO E FLECHA, ARMA BRANCA OU SIMBOLO CULTURAL?


Instrumento de identidade indígena divide opiniões

ANDRÉ DE SOUZA E CHICO DE GOIS
CLEIDE CARVALHO E EDUARDO BARRETTO
WASHINGTON LUIZ
O GLOBO
Atualizado:28/05/14 - 23h24

Um índio aponta o arco e flecha durante a manifestação em Brasília: confronto com a polícia REUTERS/Joedson Alves


Representantes dos indígenas que participaram de um protesto anteontem em Brasília defenderam o uso do arco e flecha em manifestações. Para eles, os instrumentos devem ser encarados não como arma branca, mas dentro de um contexto cultural. A Polícia Militar (PM), por outro lado, manifestou que se trata, sim, de uma arma branca e que está à procura da pessoa que acertou uma flechada na perna de um policial. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, evitou a polêmica e limitou-se a dizer que cada caso deve ser analisado separadamente.

Ontem, o cacique Marcos Xukuru considerou o ato uma ação “natural” e afirmou que os indígenas vão continuar utilizando arco e flecha nas manifestações para realizarem rituais e se protegerem. Marcos disse que não conhece quem realizou o ataque, mas explicou que o índio utilizou a flecha por se sentir ameaçado pela cavalaria da PM. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que presta assessoria aos índios, observou que o equipamento é utilizado não apenas para guerra ou ataque, mas para caça, pesca e rituais religiosos.

— Nós, indígenas, temos nosso modo de vida, nosso arco e flecha, nossa borduna, que serve para os nossos rituais. Aonde vamos levamos nossos instrumentos. Estávamos dançando, invocando nossos rituais. Os cavalos se assustaram, querendo cair no meio da pista, e de repente já vimos a fumaça das bombas da Tropa de Choque. Se um de nós se sente ameaçado, atacado pelo Estado, qual a reação? É uma reação natural — explicou o cacique.

O coronel Jailson Braz, chefe do Departamento Operacional da PM no DF e responsável pela segurança do protesto, tem opinião oposta:

— A flecha é uma arma branca, sim, pode matar, é proibida.

Na quarta-feira, o Cimi chegou a informar que os índios só podem ser detidos e interrogados pela Polícia Federal (PF). Também de acordo com o Cimi, só o Ministério Público Federal (MPF) poderia apresentar denúncias contra eles, e somente a Justiça Federal poderia julgar eventuais irregularidades ou crimes. A informação foi desmentida pela Fundação Nacional do Índio (Funai), que explicou que os indígenas respondem a processo como qualquer um. Segundo a Funai, desde a existência do Estatuto do Índio, de 1973, “a legislação deixou clara a possibilidade de prisão e encarceramento do índio, ainda que lhe confira um direito especial de semiliberdade”. Mas, para a Funai, o uso de arco e flecha, como de vestimentas e pinturas corporais, deve ser considerado como aspecto antropológico.

Ataque foi inusitado

Ela Wiecko, vice-procuradora-geral da República e coordenadora de um grupo de pesquisa na Universidade de Brasília (UnB) sobre direitos étnicos, corrobora a informação da Funai. Por outro lado, destaca que, no curso do processo criminal, é preciso levar em conta a cultura do índio:

— É uma pessoa como qualquer um de nós. Ele pensa, sente. Agora, naturalmente, ele tem a sua cultura. E mesmo com essa história de estar num carro, de ter uma carteira de identidade, de usar roupa, de andar de avião, isso não descaracteriza a pessoa de ser indígena.

O sociólogo da UnB Antônio Flávio Testa disse que a classificação do arco e flecha como arma branca é uma questão de interpretação:

— É um instrumento de caça, mas o facão também é ferramenta e pode ser visto como arma branca. Vai depender de como será o processo.

Maria Estela Grossi, também socióloga e integrante do Núcleo de Estudos de Violência e Segurança da UnB, disse que o arco e flecha tem um significado simbólico, mas que a polícia precisa se planejar para a presença de armas perigosas em manifestações:

— O ataque a flechas foi inusitado, mas tem um significado simbólico. A flecha é algo próprio do índio. A polícia não pode simplesmente responder violência com violência, com bombas, e também não pode permitir que armas passíveis de perigo sejam levadas para manifestações.

Para o antropólogo Stephen Baines, pesquisador da UnB, o arco e flecha não pode ser considerado arma branca, pois é usado como símbolo da identidade indígena, assim como cocares e pinturas de guerra. Segundo ele, a flecha deixou de ser vista pelos próprios índios como arma e hoje faz parte do reconhecimento de sua cultura:

— A flecha é usada apenas na caça de animais. Os índios têm consciência de que não adianta usar arco e flecha contra pessoas. Nas terras indígenas, utilizam armas de fogo para se proteger. Provavelmente, o disparo da flecha ocorreu num momento de susto diante da ação policial. Se quisessem agredir, os índios teriam levado espingardas.

‘Não é para ferir ninguém’

O cacique Marcos Xukuru, de Pernambuco, que estava na manifestação em Brasília, afirmou que o arco e a flecha fazem parte dos rituais:

— Não é para atacar ou ferir ninguém. Levamos também o maracá, que é usado nas festas indígenas. São coisas do nosso dia a dia, e faz parte da nossa cultura levá-las a outros ambientes.

Segundo o cacique, os índios foram surpreendidos pela ação policial, e os cavalos se assustaram com os maracás:

— Usamos os maracás para invocar nossos espíritos de proteção, para que eles nos protejam e ajudem. Os cavalos se agitaram, e a Tropa de Choque começou a atirar. Até agora não sabemos quem disparou a flecha — afirmou.

INDIOS BLOQUEIAM MINISTÉRIO DA JUSTIÇA


Índios bloqueiam entrada do Ministério da Justiça em Brasília. Grupo quer uma audiência com o ministro José Eduardo Cardozo

O GLOBO
Atualizado:29/05/14 - 11h28

Índios bloqueiam entrada do Ministério da Justiça Givaldo Barbosa / O Globo


BRASÍLIA - Um grupo de cerca de 300 índios está em frente ao Ministério da Justiça e cobra uma audiência com o ministro José Eduardo Cardozo sobre a demarcação de terras indígenas no país. Os índios bloqueiam as entradas do ministério e gritam palavras de ordem. Eles portam arcos e flechas, mas o protesto até o momento é pacífico. O policiamento no local foi reforçado.

De acordo com o Conselho Missionário Indigenista (Cimi), a principal reivindicação é que o governo dê prosseguimento aos procedimentos de demarcação paralisados no país. O grupo é contrário a minuta de portaria que muda os procedimentos de demarcação.

“A mobilização também se posiciona contra as mesas de diálogo entre indígenas e agricultores que têm sido propostas pelo ministério”, diz o conselho em nota.

A assessoria do ministro informou que Cardozo está à disposição para audiência com as lideranças indígenas.

O grupo é o mesmo que entrou em confronto com a Polícia Militar (PM), na terça-feira, em protesto contra a Copa do Mundo. Ontem, Cardozo não disse, no entanto, se os índios deveriam ser proibidos de participar de manifestações públicas com arcos e flechas.

Durante os confrontos com a PM, que duraram aproximadamente duas horas, um policial e quatro índios, segundo o Conselho Missionário Indigenista, ficaram feridos.


domingo, 25 de maio de 2014

BRAZILIAN INDIANS

SURVIVAL
http://www.survivalinternational.org/tribes/brazilian

There are about 240 tribes living in Brazil today, totaling around 900,000 people, or 0.4% of Brazil’s population.


The government has recognized 690 territories for its indigenous population, covering about 13% of Brazil’s land mass. Nearly all of this reserved land (98.5%) lies in the Amazon.

But although roughly half of all Brazilian Indians live outside the Amazon, these tribes only occupy 1.5% of the total land reserved for Indians in the country.


Yanomami woman
© Fiona Watson/Survival


Those peoples who live in the savannahs and Atlantic forests of the south, such as the Guarani and the Kaingang, and the dry interior of the north-east such as the Pataxo Hã Hã Hãe and Tupinambá, were among the first to come into contact with the European colonists when they landed in Brazil in 1500.

Despite hundreds of years of contact with expanding frontier society, they have in most cases fiercely maintained their language and customs in the face of the massive theft of, and continuing encroachment onto, their lands.

The largest tribe today is the Guarani, numbering 51,000, but they have very little land left. During the past 100 years almost all their land has been stolen from them and turned into vast, dry networks of cattle ranches, soya fields and sugar cane plantations. Many communities are crammed into overcrowded reserves, and others live under tarpaulins by the side of highways.

The smallest Amazonian tribe consists of one man, who lives in this house in western Brazil.
© Fiona Watson/Survival


The people with the largest territory are the relatively isolated 19,000Yanomami, who occupy 9.4 million hectares in the northern Amazon, an area about the same size as the US state of Indiana and slightly larger than Hungary.

The largest Amazonian tribe in Brazil is the Tikuna, who number 40,000. The smallest consists of just one man, who lives in a small patch of forest surrounded by cattle ranches and soya plantations in the western Amazon, and eludes all attempts at contact.

Many Amazonian peoples number fewer than 1,000. The Akuntsu tribe,for example, now consists of just five people, and the Awá just 450.

Awá mother and baby. The Awá are the most threatened tribe on earth.
© Survival
Uncontacted

Uncontacted Indians in the western Brazilian Amazon.
© Survival


Brazil is home to more uncontacted peoples than anywhere on the planet. It is now thought that approximately 80 such groups live in the Amazon. Some number several hundred and live in remote border areas in Acre state and in protected territories such as the Vale do Javari, on the border with Peru. Others are scattered fragments, the survivors of tribes virtually wiped out by the impacts of the rubber boom and expanding agriculture in the last century. Many, such as the nomadic Kawahiva, who number a few dozen, are fleeing loggers and ranchers invading their land.

As pressure mounts to exploit their lands, all uncontacted Indians are extremely vulnerable both to violent attack (which is common), and to diseases widespread elsewhere like flu and measles, to which they have no immunity.
Livelihoods

Most tribes live entirely off the forests, savannas and rivers by a mixture of hunting, gathering and fishing. They grow plants for food and medicine and use them to build houses and make everyday objects.

‘We Indians are like plants. How can we live without our soil, without our land?’
(Marta Guarani)

A Zo'é family relaxes in a hammock made from Brazil nut fibres.
© Fiona Watson/Survival

Staple crops such as manioc, sweet potato, corn, bananas and pineapples are grown in gardens. Animals such as peccaries, tapir and monkeys, and birds like the curassow are hunted for meat.

Some tribes, like the Matis, use long blowguns with poisoned darts to catch prey. Most use bows and arrows, and some also use shotguns. Nuts, berries and fruits such as açai and peach palm are regularly harvested and bees’ honey is relished.

Fish, particularly in the Amazon, is an important food. Many indigenous people use fish poison or timbó to stun and catch fish. The Enawene Nawe, who do not eat red meat, are renowned for the elaborate wooden dams called ‘waitiwina’ which they build across small rivers every year to catch and smoke large quantities of fish. Their Yãkwa ceremony is linked to the fishing dams and has been recognized as part of Brazil’s national heritage.

During the fishing season, Enawene Nawe men build wooden dams to catch fish, Brazil.
© Fiona Watson/Survival


A handful of peoples – the Awá, the Maku in the north-west and a few uncontacted tribes – are nomadic hunter-gatherers. They live in small extended family groups and keep few possessions, which allows them to move rapidly through the forest. They can erect shelters from tree saplings and palm leaves in just a few hours.

Like all indigenous peoples, they carry incredibly detailed mental maps of the land and its topography, fauna and flora, and the best hunting places. The Awá sometimes hunt at night using torches made from the resin of the maçaranduba tree.

‘When my children are hungry I just go into the forest and find them food.’ (Peccary Awá)
Ethnobotanical knowledge and conservation role

Indigenous peoples have unrivalled knowledge of their plants and animals, and play a crucial role in conserving biodiversity.

‘You have schools, we don’t, but we know how to look after the forest.’
Davi Kopenawa Yanomami

According to scientific studies, indigenous lands are ‘currently the most important barrier to Amazon deforestation.’

Satellite imagery shows how indigenous territories (numbered green areas) conserve Amazon rainforest and act as a barrier to deforestation (other colors)
© Survival

In some states such as Maranhão, the last remaining tracts of forest are found only in indigenous territories (the Awá are a good example of this), and these are under huge pressure from outsiders.

Davi Kopenawa, Yanomami shaman and spokesman
© Fiona Watson/Survival


Their role in conserving the rich biodiversity of the cerrado (or savannahs) and the Amazon rainforest is vital.

‘Why is it taking so long to believe that if we hurt nature, we hurt ourselves? We are not watching the world from without. We are not separate from it.’
Davi Kopenawa Yanomami

The Yanomami cultivate 500 plants for foods, medicines, house-building and other needs. They use nine different plant species just for fish poison. The Tukano recognize 137 varieties of manioc.

Guaraná, the ubiquitous fizzy cola drink in Brazil, was known to the Satere Mawe Indians long before it was commercialized. They would roast the seeds, grind them into a powder mixed with water, and drink it before setting off on a hunt. The Guaraná ensured they did not feel hungry, and had enough energy to keep hunting.

Many Brazilian Indian tribes like those of the Xingu Park, the Yanomami and the Enawene Nawe live in malocas – large communal houses – which shelter extended families, who string their hammocks from the rafters and share food around family hearths.

The Yanomami live in large communal houses.
© Dennison Berwick/Survival
Spirit worlds and shamanism

Like tribal peoples throughout the world, Indians in Brazil have very deep spiritual connections to their land. This is reflected in their rich oral history, cosmology, myths and rituals.

Some tribes take hallucinogenic drugs, which enable them to journey to other worlds to connect with spirits, and to cure sickness. This is not casual or recreational, but takes years of training and initiation.

Yanomami shamans inhale yakoana or yopo , a hallucinogenic snuff, in order to call on their shamanic spirits, or xapiri. The xapiri play a crucial role in healing ceremonies and during the reahu, or funeral feast, when communities come together to consume the ashes of dead people.

’I am a shaman of the rainforest and I work with the forces of nature, not with the forces of money or weapons. The shaman’s role is really important: they cure sick people and study to know the world.’
Davi Kopenawa Yanomami

Shamans of tribes such as the Kaxinawá and Ashaninka drink ayahuasca, a brew made from the caapi vine, during healing sessions. Others like the Arawete and Akuntsu smoke tobacco, or inhale it as snuff.

Some, like the Awá, take no stimulants or drugs, but go into a trance through the power of rhythmic dancing and clapping to journey to the iwa, or abode of the spirits, where they meet the souls of the ancestors and the spirits of the forest, the karawara.

Awá men greeting the Karawara spirits.
© Toby Nicholas/ Survival

The transition from childhood to adulthood is often marked by ceremonies and seclusion. When a Tikuna girl first menstruates, she is painted black with genipapo dye and adorned with eagle feathers. She sings, dances, and jumps over fires for up to four days with almost no sleep, and then goes into isolation for several months, during which time she is taught about the history of her people and informed of her future responsibilities.

The peoples of the Xingu are famous for funerary ceremonies honoring dead leaders, who are represented by decorated trunks of wood called kwarup.
History

The history of Brazil’s indigenous peoples has been marked by brutality, slavery, violence, disease and genocide.

When the first European colonists arrived in 1500, what is now Brazil was inhabited by an estimated 11 million Indians, living in about 2,000 tribes. Within the first century of contact, 90% were wiped out, mainly through diseases imported by the colonists, such as flu, measles and smallpox. In the following centuries, thousands more died, enslaved in the rubber and sugar cane plantations.

Umutima shaman in 1957. In 1969 most of the Umutima were wiped out by a flu epidemic.
© José Idoyaga/Survival


By the 1950s the population has dropped to such a low that the eminent senator and anthropologist Darcy Ribeiro predicted there would be none left by the year 1980. On average, it is estimated that one tribe became extinct every two years over the last century.

In 1967, a federal prosecutor named Jader Figueiredo published a 7,000 page report cataloguing thousands of atrocities and crimes committed against the Indians, ranging from murder to land theft to enslavement.

In one notorious case known as ‘The massacre of the 11th parallel’, a rubber baron ordered his men to hurl sticks of dynamite into a Cinta Larga village. Those who survived were murdered when rubber workers entered the village on foot and attacked them with machetes.

The report made international headlines and led to the disbanding of the government’s Indian Protection Service (SPI) which was replaced by FUNAI. This remains the government’s indigenous affairs department today.

Survival International was founded in 1969 in response to an article by Norman Lewis in the Sunday Times magazine on the genocide of Brazil’s Indians.

The size of the indigenous population gradually started to grow once more, although when the Amazon was opened up for development by the military in the 1960s, 70s and 80s, a new wave of hydro-electric dams, cattle ranching, mines and roads meant tens of thousands of Indians lost their lands and lives. Dozens of tribes disappeared forever.

Auré and Aurá, the last survivors of their tribe, which is believed to have been violently wiped out. Auré has since died, leaving Aurá as the last remaining speaker of his language.
© Toby Nicholas/Survival


Twenty-two years of military dictatorship ended in 1985, and a new constitution was drawn up. Indians and their supporters lobbied hard for more rights.

Much has been achieved, although Indians do not yet enjoy the collective landownership rights they are entitled to under international law.

‘This here is my life, my soul. If you take the land away from me, you take my life.’
Marcos Veron, Guarani
Threats and challenges today

In the 514 years since Europeans arrived in Brazil, the tribal peoples there have experienced genocide on a huge scale, and the loss of most of their land.

‘We didn’t know the white people were going to take our land. We didn’t know anything about deforestation. We didn’t know about the laws of the white men.’
Enawene Nawe

Today, as Brazil forges ahead with aggressive plans to develop and industrialize the Amazon, even the remotest territories are now under threat. Several hydro-electric dam complexes are being built near uncontacted Indian groups; they will also deprive thousands of other Indians of land, water and livelihoods. The dam complexes will provide cheap energy to mining companies, who are poised to carry out large scale mining on indigenous lands if Congress passes a draft bill that is being pushed hard by the mining lobby.

Kayapó dance at an anti-dam protest in 2006
© T Turner

In the south many tribes such as the Guarani live in appalling conditions under tarpaulin shacks along the roadside. Their leaders are being systematically targeted and killed by private militias of gunmen hired by the ranchers to prevent them occupying their ancestral land. Many Guarani have committed suicide in despair at the lack of any meaningful future.

‘In the old days, we were free. Now we are no longer. So our young people think there is nothing left. They sit down and think, they lose themselves, and then commit suicide.’
Rosalino Ortiz, Guarani
Indigenous resistance and organizations

Today, there are over 200 indigenous organisations, which are at the forefront of the battle to defend their hard-won rights. Hundreds of Indians took to the streets last year to protest against the government’s plans to weaken their rights. Many run their own projects, health clinics and bilingual schools. The Tikuna established a museum to showcase their technologies, art, culture and language to white people.

Some tribes have made videos and DVDs to record rituals and ceremonies for their descendants, and to increase understanding of their ways of life. The Indigenous Council of Roraima runs projects on animal husbandry, fishing, and preserving seed banks for genetic diversity to ensure the tribe’s self-sufficiency.
Despite these achievements, there remains an endemic racism towards Indians in Brazil. In law they are still considered minors. The most important goal for tribal peoples in Brazil is control over their lands – Brazil is one of only two South American countries that does not recognise tribal land ownership.

‘We do exist. I want to say to the world that we are alive and we want to be respected as a people.’
Marta Guarani

Damiana Cavanha is leading her Guarani community in its campaign for its ancestral land to be returned.
© Fiona Watson/Survival

AVAETÉ, A SEMENTE DA VINGANÇA

OLHAR DIRETO.COM 26/02/2014 - 16:36

"A selva de pedra cresceu em mim", diz índio que atuou no filme mais radical sobre extermínio Avaeté - A semente da vingança

Da Redação - Marianna Marimon



Foto: Reprodução


A cena mais chocante do filme Avaeté – A semente da vingança contrasta com o choque daqueles olhos melancólicos, que um dia acreditaram que o mundo poderia ser um lugar justo para todos. E a realidade bateu à porta quando poetizou em uma conversa: “A selva de pedra cresceu em mim”. Macsuara Kadiweu é o índio que sobrevive no filme do cineasta Zelito Viana, e o enredo se confunde com a sua própria história, com a história de todos aqueles que perderam sua ligação com a terra. Os dois estiveram presentes no Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá, o Cinemato, devido a homenagem ao cineasta e ao filme que é baseado em fatos reais ocorridos em Mato Grosso, aonde o filme foi rodado.


O filme é de 1985, mas nunca foi tão atual. É com crueza que demonstra uma história real: o extermínio dos indígenas em detrimento de suas terras e riquezas naturais. Baseado no massacre do Paralelo 11 contra os índios Cinta-Larga, algumas cenas do filme são inventadas como a explosão da aldeia, mas outras são reais. Zelito Viana conta que a cena mais chocante do filme é referente a uma fotografia da revista americana Time.

Então, não adiaremos mais. A história é a seguinte, um madeireiro poderoso quer invadir as terras indígenas para ampliar seu poder na região, e para isto, determina o extermínio de uma tribo inteira. O cozinheiro da missão se acovarda e não consegue matar o único menino sobrevivente, que consegue fugir. Enfim, o “Branco”, capitão do mato do madeireiro pega a mãe do menino e a amarra pelos pés a uma árvore, e então, com um facão corta a mulher ao meio.

Esta cena é uma fotografia da Time. Na história real, o bebê leva um tiro na cabeça e a mãe é cortada ao meio com um machado. Avaeté não é fácil de engolir, mas é necessário, é como uma pílula amarga que pode te trazer a cura. Porém, o processo é dolorido. É um soco no estômago e na cara. É um choque de realidade. Sim, tudo isso aconteceu. Mas como Zelito relembra: “o único motivo para o extermínio do povo Cinta-Larga era apenas para não deixar que eles avançassem em seu território, não havia disputa por terras ou madeira”, explicou.

O massacre do Paralelo 11 aconteceu em 1962, mas só veio à tona em 1968. Zelito narra as dificuldades para conseguir produzir o filme na época da ditadura militar. Mas, o longa saiu e ganhou as telas do mundo. Em todas as salas em que foi exibido, Zelito conta que no momento da cena da índia cortada ao meio, a reação é sempre a mesma: espanto.

“A minha cabeça foi feita aí, nesse filme, em 1978 quando entrei em contato com as tribos indígenas, conheci uma realidade nova, porque eu era um ser urbano e conheci o Brasil profundo aqui em Mato Grosso. Infelizmente esta problemática é atual”, disse Zelito.

No enredo, o pequeno índio consegue fugir e também o cozinheiro. Então, começa uma amizade improvável e esta foi a história que Zelito vendeu para que o filme pudesse ser exibido. Mas, ele já emenda que ninguém engoliu a história da amizade.

Avaeté é uma obra de crueza e densidade, um retrato da realidade como ela é, sem deixar dúvidas dos erros cometidos em todas as esferas contra os povos tradicionais. Após o crime contra a tribo do pequeno índio, ele cresceu junto ao cozinheiro, até que denunciam o massacre, e começam a ser perseguidos novamente. Um político denuncia no Congresso, mas não resulta em nada. O dono da madeireira é poderoso demais.

O pequeno índio agora homem consegue resgatar um dos seus únicos amigos, e no fim do filme, consegue vingar toda a dor que passou durante os anos. O tempo todo, o índio está em busca de sua identidade perdida, de sua relação com a terra, com os hábitos do seu povo, com a natureza, a água, o vento. “Eu era o homem livre”, termina o filme.

Mas, a sessão pode ter sido encerrada, só que o problema continua a gritar em nossas caras como um incansável reflexo de nós mesmos: uma sociedade egoísta, individualista, consumista e segregadora.

Avaeté é essa busca por tudo o que se foi e não irá voltar. Avaeté é um pedaço de tempo que se foi, mas nunca deixou de ser. Avaeté é o grito contido da dor, da morte, do sangue derramado.

Macsuara deu vida ao índio valente que conseguiu vingança pelo extermínio de seu povo. A sua história se mescla com Avaeté, porque sua pele é o símbolo do sofrimento de toda uma vida. A emoção tomou conta de si ao rever Zelito e o filme feito na juventude. Seus olhos marejados revelam a imensidão de uma alma atormentada, inquieta e irrequieta.

“Teria que ter muitos Zelitos para contar a nossa história, porque a representação do índio no cinema fica em 3º plano, é como um figurante da realidade. O 1º plano é da natureza e o 2º é dos exploradores. Não existe uma lente que identifique o âmago da cultura indígena nativa”, disse Macsuara.



E solta “invisible people”. É assim que Macsuara traz à leitura dos indígenas perante o mundo: “as pessoas invisíveis”. “É uma bolha psicológica que criaram para observar e preservar a natureza e isso é a maior mentira. A Internet também. O olho não funciona, a boca não funciona, só o que funciona é a solidão”, sentenciou.

Consciente dos problemas indígenas, Macsuara possui uma análise crítica e política sobre a situação. E lamenta que atualmente, a luta perdeu força, e a busca pela preservação da identidade também. No filme, o índio vai atrás do próprio eco para encontrar a si mesmo. “É um massacre moral, cultural, que derruba o esteio. As lutas enfraqueceram. Mataram todos os heróis”, lamentou.

Então, para finalizar a entrevista, questiono Macsuara sobre como é para ele, ter saído da aldeia, de perto da natureza e adentrado o universo urbano, e com os olhos sérios e calejados me responde com uma dor que se percebe na voz: “A selva de pedra cresceu em mim”, e emudece. O silêncio toma conta de nós e só a solidão pode funcionar.

OS ÍNDIOS QUE INCOMODAM



ZERO HORA 25 de maio de 2014 | N° 17807

ARTIGOS

Moisés Mendes*



Tente sair da neutralidade e ficar ao lado dos índios ou dos agricultores nesse conflito por um pedaço de terra no norte do Estado. É incômodo, é desconfortável, é constrangedor. Só os diretamente envolvidos na disputa ou que estão no entorno podem se sentir à vontade para dizer que ficam, categoricamente, com os colonos ou com os caingangues.

Essa é uma briga de miseráveis contra minifundiários. Fracassa quem procurar vilões em Faxinalzinho se for tentar encontrá-los entre os caingangues e os agricultores. Eles estão fora dali.

O Estado da agricultura intensiva confronta-se com seu primitivismo. É agora que se espalham as perguntas emburrecedoras: como admitir que índios tomem posse de uma terra para dela tirar proveito como extrativistas, se a lavoura capitalista é a prosperidade, mesmo no minifúndio? Por que conceder terras aos caingangues, que vão cultivar roças arcaicas, fazer cestos e admirar os sabiás, se é possível continuar explorando áreas que sustentam famílias e o país com a fartura da soja?

Se fosse convidado a me posicionar, e isso tivesse alguma importância, eu seria condenado pela hesitação. Deixa-se a terra com os colonos e compra-se terra para os índios, ou vice-versa?

Convivi com índios e colonos por mais de 10 anos no noroeste do Estado. Entrei várias vezes na reserva da Guarita, que dividiu seus habitantes em classes no final dos anos 70. Os amigos do cacique Sebastião Alfaiate eram da elite que negociava arrendamentos e madeira da floresta com os brancos. A maioria, fora do poder, contentava-se com as migalhas concedidas pela hierarquia ao redor do chefe.

Conheci este Alfaiate e seus métodos de reproduzir, por duas décadas, até 1982, a estrutura social dos brancos na Guarita. Tinha carteira de sócio de cooperativa e a proteção de políticos. Desfilava numa Ford picape, protegido pela sua polícia. Num Dia do Índio, me encontrei com Alfaiate. O chefe me olhou da cabeça aos pés, tirou um maço de dinheiro do bolso e disse:

– Tu veio aqui pra saber o que nós queremos pedir às autoridades nesta data? Pois olha bem pra ti, tu é quem tá com jeito de quem tem que pedir alguma ajuda.

Para a ditadura, os Alfaiates deveriam reinar nas reservas do Estado. Os índios nunca seriam um incômodo. Burocratas, “indigenistas” e oportunistas pouco fizeram pela proteção a caingangues e guaranis (os guaranis, em minoria entre 7 mil índios, sempre estiveram entre os escorraçados da Guarita) e deixaram que os índios se amontoassem em reservas compartilhadas com os brancos.

Até que, em 1978, o cacique Nelson Xangrê, de Nonoai, decidiu romper com a acomodação e liderou a sangrenta expulsão de agricultores de terras indígenas do município. Os caingangues que se rearticulam agora para retomar uma área que consideram ser deles trazem para o início do século 21 a inquietação dos anos 70.

É cômodo e simplificador resumir a briga pelas terras a um embate entre quem trabalha e quem não precisa de grandes áreas para desfrutar do ócio contemplativo. Como também é preguiçosa a versão de que os agricultores são usurpadores do patrimônio dos caingangues. Eles, tanto quanto os índios, foram enganados em algum momento por espertalhões públicos e privados.

O que não aconteceu, e que muitas autoridades de tempos idos gostariam que tivesse acontecido, foi a extinção ou a total fragilização dos caingangues. Quantos não torceram para que os índios continuassem resignados em acampamentos à beira das estradas, vendendo artesanato nas cidades e tomando porres nos bolichos de Miraguaí e Tenente Portela, até desaparecerem ou se tornarem numérica e socialmente insignificantes?

Mas os caingangues se rebelam, estudam e até fazem faculdade. Na Capital, indiozinhos e indiazinhas cantam e dançam aos domingos no Brique da Redenção. Pedem moedas e um olhar de admiração. Por enquanto, parece que é só o que eles querem.

*JORNALISTA



Cena do filme "Terra dos Índios", do cineasta Zelito Viana, realizado em 1978, em que aparece o Cacique Nelson Jacinto Xangrê e seus principais auxiliares.


Terra dos Índios


Terra dos Índios

Diretor - Zelito Viana
Idioma original - Português e Kaingang
Lançamento  - 1979
Duração - 115min

Em 1977, Zelito Viana viajou pelo Brasil retratando a situação dos povos indígenas nos diferentes estados. Através do vídeo denunciou a violência por trás do projeto nacional de “integração dos índios”, revelando as condições vergonhosas nas quais se encontravam muitos desses povos, entre eles os kaingang do município do Rio Grande do Sul, os Kaiová do Mato Grosso e muitos outros. Diante da impossibilidade de viver conforme seus costumes e cercados por colonos brancos hostis, os indígenas sucumbem ao interesse de fazendeiros e empresários que grilam suas terras, derrubam suas ancestrais matas e em nome de sua ganância colocam em risco o futuro destas sociedades.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

PLANO PARA FAXINALZINHO


ZERO HORA 14 de maio de 2014 | N° 17796


BRASÍLIA | Carolina Bahia




Diante da crise em Faxinalzinho, o governo federal estuda a remoção gradual dos agricultores das terras. Uma das ideias em análise é o repasse de recursos para o governo do Estado, viabilizando a compra de novas áreas para os pequenos produtores, além do ressarcimento pelas benfeitorias. A saída, no entanto, se estenderia por três ou quatro anos, conforme a verba fosse liberada e os agricultores encontrassem outros terrenos. No Planalto, a crença é de que esse processo esvaziaria a tensão. Não há, porém, decisão tomada. Embora a Advocacia-Geral da União (AGU) defenda a demarcação, o ministro Luiz Inácio Adams reforça a manifestação do Ministério da Justiça, afirmando que qualquer definição será fruto de um acordo.

O Tribunal Superior Eleitoral tem obrigação de agir de maneira exemplar no caso de abuso do dinheiro do fundo partidário pelos partidos, suspendendo os repasses. PR, PT e PP teriam desembolsado recursos do fundo para bancar escritórios de advocacia que defendem filiados. A última denúncia diz respeito ao uso do PP para o pagamento da defesa do deputado José Otávio Germano em ações na Justiça. Germano admite que pediu socorro financeiro e argumenta que, ao ajudá-lo, o PP fez a defesa da próprio partido, já que ele integra a legenda.

Está prevista para o final de maio uma manifestação das comunidades indígenas na Esplanada dos Ministérios. Aproveitando o clima da Copa, as lideranças querem chamar a atenção da imprensa internacional para o problema agrário, angariando simpatizantes, pressionando o governo.

Santa Maria será o palco do lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar 2014/2015, com a presença da presidente Dilma Rousseff e do ministro Miguel Rossetto. A data prevista é 26 de maio. MDA e Planalto ainda estão fechando os detalhes do anúncio para os pequenos produtores. O que já se sabe é que a festa será grande.

domingo, 11 de maio de 2014

ENTRE O TIRO E A LANÇA



ZH 11 de maio de 2014 | N° 17793

CARLOS WAGNER CARLOS MACEDO | TEXTOS FOTOGRAFIA


QUESTÃO AGRÁRIA


O TRIÂNGULO FORMADO pelos municípios de Vicente Dutra, Faxinalzinho e Sananduva, no norte do Estado, é o centro de uma guerra entre caingangues e agricultores pela terra. Zero Hora foi à região para mostrar o que move os dois lados



Na longa e sangrenta história do conflito entre caingangues e agricultores no Rio Grande do Sul, a morte a tiros e pauladas dos irmãos Alcemar e Anderson de Souza, no dia 28 de abril, em Faxinalzinho, pelos indígenas, é um capítulo novo e diferente. É a primeira vez que os dois lados admitem a posse de revólveres e espingardas.

A radicalização teve início em 2003, segundo Henrique Kujawa e João Carlos Tedesco, organizadores do livro Conflitos Agrários no Norte Gaúcho: Índios, Negros e Colonos. A Constituição de 1988 assegurou aos índios a retomada de terras que haviam sido usadas para colonização – em sua maioria, reservas já demarcadas. Nos anos 1960, o governo do Estado usou reservas indígenas para fazer reforma agrária, como é o caso de Serrinha, em Ronda Alta. Os caingangues conseguiram retomar Serrinha e outras reservas, um sucesso explicado pelo direito líquido e certo à terra, na opinião de Kujawa. O governo federal indenizou os colonos desalojados pagando benfeitorias, e o governo do Estado, a terra.

A retomada das áreas de reservas no Rio Grande do Sul terminou no começo dos anos 2000. Foi quando caingangues partiram em busca de terras que não tinham sido reservas indígenas oficiais. Em locais onde seus antepassados haviam acampado, a presença era comprovada por laudos de antropólogos da Fundação Nacional do Índio (Funai). Agricultores organizaram-se e trancaram a retomada das terras. Em consequência, os acampamentos indígenas proliferaram: hoje somam 19 no Estado, pelas contas da Funai. Mas o número pode ser bem maior.

Estima-se que, num raio de cem quilômetros de Passo Fundo, existam 102 focos de tensão entre índios e agricultores. Segundo o cacique Deoclides de Paula, 42 anos, do acampamento de Votouro Kandoia, em Faxinalzinho, preso pela Polícia Federal na sexta-feira juntamente com mais quatro caingangues por suspeita de envolvimento na morte dos irmãos Souza, 10 mil índios, dos 35 mil do Estado, disputam terras. A Funai não confirma os números.

O principal aliado dos índios é o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja progressista. A face invisível são os burocratas do serviço público federal. Com os colonos, estão alas conservadoras da Igreja, sindicatos patronais e, novidade surpreendente, a Fetraf-Sul, ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Os dois irmãos mortos são as mais recentes vítimas desse fogo cruzado.



Antagonistas preparam-se para enfrentamento


O que irá acontecer no confronto por terras entre indígenas e colonos nos próximos meses no Rio Grande do Sul foi decidido no dia seguinte ao enterro dos dois agricultores e irmãos mortos a tiros e pauladas pelos índios caingangues em Faxinalzinho, pequena cidade agrícola do norte do Estado. Alcemar Batista de Souza, 41 anos, e Anderson de Souza, 26 anos, foram assassinados na tarde de 28 de abril, ao furar um bloqueio de toras de madeira erguido na estrada pelos índios, e enterrados no dia seguinte, ao entardecer, no cemitério de Coxilhão Aparecida, interior de Faxinalzinho.

A manhã do dia 30 iniciou-se com uma chuva grossa e insistente que duraria dois dias. No acampamento caingangue de Kandoia, que ocupa dois hectares dos 2,7 mil que têm a posse reivindicada pelos índios, distante oito quilômetros do centro da cidade, 20 caciques de vários cantos do Estado reuniram-se em um prédio de material, com vidros quebrados e muitas goteiras. Um deles era Deoclides de Paula, que chefia os indígenas responsáveis pela morte dos dois agricultores. Além de cacique de Kandoia – onde vivem 200 famílias de indígenas –, ele também faz parte da Comissão Nacional de Políticas Indigenistas, ligada ao Ministério da Justiça.

Zero Hora documentou o encontro. Os caciques falavam português e caingangue. Ali, eles decidiram não apostar mais nas negociações com o ministério, que já duram mais de uma década.

– O governo é como feijão duro. Só cozinha sob pressão – comparou Roberto Carlos dos Santos, 42 anos, um dos presentes na reunião, líder do acampamento de Rio dos Índios, em Vicente Dutra.

DESINTRUSÃO

A pressão para amolecer o governo foi comunicada por Deoclides no final do encontro. Eles decidiram romper o diálogo com o Ministério da Justiça e fazer as coisas andarem pelas próprias mãos.

– Vamos bloquear as rodovias durante a Copa do Mundo. Iremos demarcar as nossas terras e depois fazer a desintrusão – prometeu o cacique.

Desintrusão significa retirada dos não índios de áreas indígenas. Legalmente, ocorre quando a área é reconhecida como da tribo, o que não é o caso de Kandoia. As palavras do cacique não representam um blefe.

O método usado pelos caingangues é simples. Um grupo cerca a casa do agricultor e dá algumas horas para a família abandonar o local. Isso aconteceu na reserva indígena de Nonoai em 1978.

– Em Nonoai, os índios agiram de maneira legítima porque os brancos eram os intrusos. Mas aqui os intrusos são eles. Isso não vai acontecer – avisou Sidimar Luiz Lavandoski, presidente do Sindicado dos Trabalhadores da Agricultura de Sananduva e coordenador de Conflitos Agrários da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul (Fetraf-Sul).

No dia seguinte ao enterro dos dois colonos assassinados, Lavandoski foi até o gabinete do prefeito de Faxinalzinho, Selso Pelin, onde também estava o presidente da Associação dos Moradores, Ido Antonio Marcon.

A conversa girou ao redor de uma reunião realizada pela Fetraf-Sul na terça-feira, em Passo Fundo, sobre as estratégias de resistência ao cerco indígena às terras da agricultura familiar.

A Fetraf-Sul organiza uma série de manifestações com dois objetivos: demonstrar força aos índios e levar o problema da disputa às ruas dos grandes municípios gaúchos, a fim de esclarecer a população sobre sua causa.

– Uma coisa é certa: os índios não vão tirar ninguém na marra de dentro de sua casa – avisou Lavandoski.



Suspeitas de boatos, extorsão e emboscadas


Emboscadas, extorsão, comentários preconceituosos, boatos sobre invasões e pessoas apavoradas. Essa é a realidade entre colonos e índios caingangues envolvidos na disputa por 1,9 mil hectares em Passo Grande do Rio Forquilha, lugarejo situado entre Sananduva e Cacique Doble, cidades agrícolas no norte do Estado.

O enfrentamento já dura uma década, mas nos últimos dois anos se intensificou, com uma atmosfera de confronto iminente. Parte dos índios envolvidos na disputa saiu da reserva de Charrua, próximo a Sananduva. Até a semana passada, eles tinham invadido e se apropriado de quatro áreas dos colonos que somam 160 hectares, onde vivem 117 famílias caingangues.

Nos 1,9 mil hectares disputados, habitam 152 famílias de pequenos agricultores. A última invasão dos índios ocorreu na terceira semana de abril, quando ocuparam as instalações da Capela Bom Conselho – um salão paroquial, um cemitério e um campo de futebol –, distantes cerca de 15 quilômetros do centro do município.

– A capela é um símbolo para a comunidade. É um absurdo o que estão fazendo – queixa-se o agricultor Oilson Predobom.

Leonir Franco, 24 anos, é o cacique do acampamento Passo Grande da Forquilha. Cercado por seus guerreiros e sentado à mesa no meio do salão paroquial – que foi transformado em um grande dormitório para as famílias indígenas –, o cacique disse saber do simbolismo do local para os colonos. Lembra, contudo, que nos anos 1940, quando agricultores se estabeleceram na área, expulsaram índios que viviam caçando, pescando e trabalhando para os ervateiros – pessoas que colhiam folhas de erva-mate.

Duas índias idosas, Eva Pinto e Jandira dos Santos, relatam lembranças da infância vivida com os pais na região.

– Quando os madeireiros começaram a derrubar o mato, fomos corridos daqui – recorda Jandira.

E Franco acrescentou ao comentário da índia:

– Os agricultores passaram o arado por cima dos cemitérios indígenas e não deixaram rastro.

CABO DE GUERRA

A pedido dos caingangues, os antropólogos da Fundação Nacional do Índio (Funai) fizeram uma pesquisa no Passo Grande da Forquilha e encontraram vestígios de que ali viveram povos indígenas. O resultado do trabalho virou um estudo aceito em 2011 pelo Ministério da Justiça, que publicou uma portaria declaratória reconhecendo a área como de ocupação tradicional indígena – na prática, o passo final de um longo processo para retirada dos colonos do local.

No ano passado, por pressão da Fetraf-Sul e outras organizações, o governo federal suspendeu as fases seguintes do processo de retomada da área, que são a demarcação da gleba e o levantamento das benfeitorias das propriedades para serem indenizadas. Em protesto, o cacique Franco iniciou a demarcação da área por conta própria.

– Eles invadiram 12 hectares da minha propriedade, e estou deixando de colher 4 mil sacas de soja por ano, um prejuízo de R$ 1 milhão – protesta o agricultor Denis Antonio Golin, 58 anos.

Há dois anos, Golin luta na Justiça Federal para tentar retirar os índios da sua terra. Não tem tido sucesso em razão da situação jurídica confusa da área. O episódio é citado pelos vizinhos como exemplo do que pode acontecer a qualquer um deles, comenta Adair Beluso, 53 anos, que vive em uma propriedade de 20 hectares com a mulher, Antoninha, a filha, Elisa, 14 anos, e o filho, Ezequiel, 28 anos, que se formou técnico agropecuário e voltou para casa a fim de ajudar na modernização da propriedade da família.

– Deixei o emprego para vir ajudar o pai. Tivemos de parar de investir por não saber o que irá acontecer – diz o agrônomo.

Alguns agricultores concordaram em pagar uma espécie de “aluguel” das próprias terras aos índios para não serem incomodados. ZH conseguiu falar com um deles, na condição de não revelar o seu nome. Ele disse que, para continuar morando e trabalhando na propriedade, dá uma percentagem da colheita para os indígenas. Bem articulado e informado, o cacique Franco nega a extorsão. Afirma saber que a incerteza causa medo nos colonos. Mas que também apavora as famílias indígenas.

– Colonos conseguiram expulsar daqui os nossos pais. Agora, eles não conseguirão nos tirar daqui, eles é que vão sair – promete.

O cacique pretende iniciar nas próximas semanas o processo de desintrusão (retirada das famílias de colonos) do Passo Grande do Rio Forquilha. Na última semana, o boato de que havia índios armados na região se espalhou.

No Dia do Trabalho, os colonos se reuniram na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Houve a decisão de reforçar a vigilância.

– Para retirar os agricultores, é necessário que se complete o processo de reconhecimento da área como indígena. Isso não vamos permitir – aposta Sidimar Luiz Lavandoski, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura de Sananduva e diretor da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul (Fetraf-Sul).



Em Vicente Dutra, as faces do confronto



Há dois homens que evitam se cruzar na mesma calçada em Vicente Dutra, nas barrancas do Rio Uruguai, noroeste do Estado. São o agricultor Altair dos Santos Bueno, 49 anos, o Palmeira, e o cacique caingangue Roberto Carlos dos Santos, 42 anos.

A inimizade nasceu, cresceu e vem sendo nutrida por uma disputa de 715 hectares, travada desde de 2004 entre colonos e indígenas. Além das propriedades rurais, a terra reivindicada pelos indígenas atinge o empreendimento Águas do Prado, que tem 250 cabanas e recebe 600 turistas por ano.

Em 1997, 40 famílias de caingangues chegaram à cidade reivindicando a terra, que teria pertencido aos seus antepassados. Em 2004, o Ministério da Justiça assinou uma portaria declaratória reconhecendo o direito dos índios. A área foi demarcada pelo governo em 2012, e o passo seguinte seria indenizar as 60 famílias de agricultores pelas benfeitorias nas propriedades. Por pressão das entidades que defendem os colonos, não houve indenização, e o processo de assentamento dos índios parou.

Enquanto isso, os caingangues vivem em uma vila que ocupa dois hectares, à beira do Rio dos Índios. Bueno tem 37 hectares de terra no interior da área reivindicada e se posiciona fortemente contra as intenções dos índios, inclusive fazendo discursos inflamados nas reuniões dos colonos.

A REAÇÃO

Em novembro do ano passado, os caingangues invadiram o balneário e trancaram estradas ao redor da cidade. Na ocasião, Bueno fazia um bico de segurança. Ele foi agredido pelos índios – não pela função que exercia, mas pelo posicionamento assumido em público – e sofreu vários cortes de faca e perfurações de lanças, como mostram as cicatrizes. O índios invadiram e vandalizaram 103 cabanas e colocaram fogo em uma. Uma parte dessa história está no boletim de ocorrência feito por Neli Pinton, tesoureira do balneário.

Os colonos reagiram. Um grupo de 400 moradores se reuniu e cercou os índios. Havia gente armada dos dois lados, lembram o prefeito da cidade, João Paulo Pastorio, e o cacique Santos. Não houve uma tragédia porque os dois grupos tomaram consciência de que aconteceria uma carnificina, recorda Valdeci Steffen, 44 anos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais.

– O que aconteceu em Faxinalzinho (a morte de dois agricultores em conflito com os índios) nos lembrou que podemos ter outro confronto aqui e talvez não tenhamos a mesma sorte da última vez, quando não houve tragédia – preocupa-se Steffen.

Ao conversar sobre o que aconteceu no ano passado, o cacique Santos culpa a pressão dos políticos pela interrupção do processo de assentamento dos índios. E descreve a situação em Vicente Dutra como um barril de pólvora, com um pavio curto aceso.

– Uma hora um índio e um colono podem se cruzar aí pela rua e olhar um na cara do outro e acabar se matando. Isso pode ser o estopim de uma grande briga – imagina o cacique.



Uma localidade chamada Bugre Morto


Há menos de um ano, na beira da estrada que liga Passo Fundo a Pontão, nasceu o acampamento indígena do Butiá. Ali, um aglomerado de famílias caingangues reivindica a posse de 35 mil hectares de terra que teriam sido ocupados por antepassados nos anos 1930. Eles teriam sido expulsos com a chegada dos colonizadores.

– Os índios abandonaram a área porque um fazendeiro da região convidou a tribo para um churrasco. A carne havia sido envenenada, e muitos caingangues morreram – afirma o cacique do acampamento, Amandio Vergueiro, 75 anos, veterano na luta pela retomada de áreas indígenas.

Nas proximidades do acampamento, há uma comunidade chamada Bugre Morto, que teria ganho esse nome em razão do episódio do churrasco, segundo o cacique. A história contada por Vergueiro é difícil de ser comprovada. Mas, para os caingangues, o relato é real e serve de mote para fortalecer a luta pela terra. Muitos acampamentos como o Butiá surgem sob a inspiração de histórias antigas. Geralmente, os índios que vão para os acampamentos reivindicar terras fogem de conflitos familiares onde viviam.

E, diferentemente dos índios que vivem em reservas oficiais – áreas protegidas pela União –, os que se alojam em acampamentos para disputar terras estão fora dos programas governamentais que apoiam os indígenas.

Conforme Vergueiro, o acampamento é um cutelo no meio das costelas dos que tomaram as terras dos índios. Não deixa de haver verdade nisso. Sempre que um acampamento consegue sobreviver e chama atenção das autoridades, sua presença desvaloriza o preço das terras vizinhas.


TENSÃO NO CAMPO

ZH 10/05/2014 | 15h01

por Carlos Wagner

Tensão no campo

Como vivem índios e colonos nas terras em disputa no RS. ZH visitou áreas de conflito em Vicente Dutra, Pontão e Sananduva


Caingangues e agricultores admitem abertamente que estão portando armas
Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS


Na longa e sangrenta história dos conflitos entre caingangues e agricultores no Rio Grande do Sul, a morte a tiros e pauladas dos irmãos Alcemar e Anderson de Souza, em Faxinalzinho, pelos indígenas, é um capítulo novo e diferente. É a primeira vez que os dois lados admitem a posse de revólveres e espingardas.

A radicalização da luta nasceu em 2003, segundo estudos dos professores Henrique Kujawa, da Faculdade Meridional-IMED de Passo Fundo, e João Carlos Tedesco, da Universidade de Passo Fundo (UPF), organizadores do livro Conflitos Agrários no Norte Gaúcho: Índios, Negros e Colonos. A Constituição de 1988 assegurou aos índios a retomada de suas terras que haviam sido usadas para colonização - em sua maioria, reservas já demarcadas. Nos anos 1960, o governo gaúcho usou reservas indígenas para fazer reforma agrária, como é o caso da Serrinha, em Ronda Alta. Os caingangues conseguiram retomar Serrinha e outras reservas, um sucesso explicado pelo direito líquido e certo à terra, na opinião do professor Kujawa. O governo federal indenizou os colonos desalojados pagando benfeitorias, e o governo do Estado, a terra.


A retomada das antigas reservas indígenas no Rio Grande do Sul terminou no começo dos anos 2000. Foi quando líderes caingangues partiram na busca de terras que não tinham sido reservas indígenas oficiais. Mas, em locais onde seus antepassados haviam acampado, a presença era comprovada por laudos dos antropólogos da Fundação Nacional do Índio (Funai). Os agricultores se organizaram e trancaram o processo de retomada das terras. Em consequência, os acampamentos indígenas proliferaram pelo Rio Grande do Sul: hoje somam 19, pelas contas dos técnicos da Funai. Mas o número pode ser bem maior porque surgem e desaparecem com incrível velocidade.

As áreas de disputa visitadas por ZH




Há uma estimativa de que, a um raio de cem quilômetros de Passo Fundo, existam 102 acampamentos de índios. Segundo o cacique Deoclides Paula, 42 anos, do acampamento de Votouro Kandoia, de Faxinalzinho, hoje 10 mil índios, dos 35 mil que vivem no Estado, estão acampados e em disputa por terra com os agricultores.

Não há confirmação oficial do número dos índios em luta pela terra. Mas são muitos, admite Roberto Perin, coordenador regional da Funai, em Passo Fundo. A luta entre colonos e índios saiu do controle dos governos. A guerra é alimentada pela pressão política dos grupos que apoiam cada um dos lados. De parte dos índios, o principal aliado é o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à ala progressista da Igreja. A face invisível são os burocratas incrustados no serviço público federal. Ao lado dos colonos, estão os setores conservadores da Igreja, sindicatos patronais e, novidade surpreendente, a Fetraf Sul, organização de esquerda ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Os dois irmãos mortos Em Faxinalzinho são as mais recentes vítimas do fogo cruzado desse conflito que não tem desfecho à vista.

Sananduva: o conflito que dura uma década
Emboscadas, extorsão, comentários preconceituosos, boatos sobre invasões e pessoas apavoradas. Essa é a realidade entre colonos e índios caingangues envolvidos na disputa por 1,9 mil hectares em Passo Grande do Rio Forquilha, lugarejo entre Sananduva e Cacique Doble, cidades agrícolas no norte do Estado. O enfrentamento já dura uma década, mas nos últimos dois anos se intensificou, com uma clima de confronto iminente.

Parte dos índios envolvidos na disputa saiu da reserva indígena de Charrua, próximo a Sananduva. Até a semana passada, eles tinham invadido e se apropriado de quatro áreas dos colonos que somam 160 hectares, onde vivem 117 famílias caingangues.

Nos 1,9 mil hectares disputados, moram 152 famílias de pequenos agricultores. A última invasão dos índios foi na terceira semana de abril, quando eles ocuparam as instalações da Capela Bom Conselho — salão paroquial, cemitério e campo de futebol —, distante cerca de 15 quilômetros do centro da cidade.

— A capela é um símbolo para a comunidade. É um absurdo o que estão fazendo — queixa-se o agricultor Oilson Predobom.


Índios acampam em salão paroquial | Foto: Carlos Macedo



Leonir Franco, 24 anos, é o cacique do acampamento Passo Grande do Rio Forquilha. Cercado por seus guerreiros e sentado à mesa no meio do salão paroquial — que foi transformado em um grande dormitório para as famílias indígenas —, ele disse saber do simbolismo do local para os colonos. Lembra, contudo, que nos anos 1940, quando agricultores se estabeleceram na área, expulsaram índios que viviam caçando, pescando e trabalhando para os ervateiros — pessoas que colhiam folhas de erva-mate.

Duas índias idosas, Eva Pinto e Jandira dos Santos, relatam a Zero Hora as suas lembranças da infância vivida com os pais na região.

— Assim que os madeireiros começaram a derrubar o mato, nós fomos corridas daqui — recorda Jandira.

Franco acrescentou ao comentário da índia:

— Os agricultores passaram o arado por cima dos cemitérios indígenas e não deixaram nenhum rastro.

Cabo de guerra

A pedido dos caingangues, os antropólogos da Fundação Nacional do Índio (Funai) fizeram uma pesquisa no Passo Grande do Rio Forquilha e encontraram vestígios de que ali viveram povos indígenas. O resultado do trabalho virou um estudo aceito, em 2011, pelo Ministério da Justiça, que publicou uma portaria declaratória reconhecendo a área como ocupação tradicional indígena — na prática, o passo final de um longo processo para retirada dos colonos do local. No ano passado, por pressão da Fetraf-Sul e outras organizações, o governo federal suspendeu as fases seguintes do processo de retomada da área, que são a demarcação da gleba e o levantamento das benfeitorias das propriedades para serem indenizadas. Em protesto, o cacique Franco iniciou a demarcação da área por conta própria.

— Eles invadiram 12 hectares da minha propriedade e estou deixando de colher 4 mil sacas de soja por ano, um prejuízo de R$ 1 milhão — protesta o agricultor Denis Antonio Golin, 58 anos.



Há dois anos, Golin luta na Justiça Federal para tentar retirar os índios da sua terra. Não tem tido sucesso em razão da situação jurídica confusa da área. A situação é citada pelos vizinhos como exemplo do que pode acontecer a qualquer um deles, comenta Adair Beluso, 53 anos, que vive em uma propriedade de 20 hectares com a mulher, Antoninha, a filha Elisa, 14 anos, e o filho Ezequiel, 28 anos, que se formou técnico agropecuário e voltou para casa a fim de ajudar na modernização da propriedade do pai.

— Deixei o emprego para vir ajudar o pai. Agora tivemos de parar de investir por não saber o que irá acontecer amanhã — comenta o agrônomo.

O pai de Ezequiel reclama que a presença dos índios fez naufragar o projeto de desenvolvimento da propriedade da família, que produz leite, soja e milho. Ele acredita que a única maneira de solucionar o problema e juntar-se ao grupo de agricultores que se organizou para deter o avanço das invasões dos índios é realizar protestos para pressionar o governo a recuar na intenção assentar os caingangues na área.

Os caingangues vieram para ficar

Há vários agricultores que não estão fazendo protesto porque concordaram em pagar uma espécie de "aluguel" das próprias terras aos índios para não serem incomodados. ZH conseguiu falar com um deles, na condição de não revelar o seu nome. Ele disse que, para continuar morando e trabalhando na propriedade, dá uma porcentagem da colheita para os indígenas. Bem articulado e informado, o cacique Franco nega que os índios estejam extorquindo os agricultores. Afirma que sabe que a incerteza causa medo nos colonos. Mas que também apavora as famílias indígenas, que temem ser atacadas pelos agricultores.

— Antigamente, os colonos conseguiram expulsar daqui os nossos pais. Agora, eles não conseguirão nos tirar daqui, eles é que vão sair — promete.


Lavandovski (E) e Golin questionam demarcação | Foto: Carlos Macedo



Para apressar o processo, o cacique tem a intenção de iniciar nas próximas semanas o processo de desintrusão (retirada das famílias de colonos) do Passo Grande da Forquilha. Na última semana, o boato de que bandos de índios armados estariam circulando pela região para fazer a desintrusão espalhou-se com rapidez entre as famílias de agricultores.

No feriado do Dia do Trabalho, os colonos se reuniram na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. A situação foi discutida, e houve a decisão de reforçar a vigilância aos movimentos dos índios.

— Para retirar os agricultores, é necessário que se complete o processo de reconhecimento da área como sendo indígena e ele seja homologado. Isso não vamos permitir — aposta Sidimar Luiz Lavandoski, presidente do Sindicado dos Trabalhadores da Agricultura de Sananduva e coordenador de Conflitos Agrários da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul (Fetraf-Sul).

Vicente Dutra, o município sobre um barril de pólvora

Há dois homens que evitam se cruzar na mesma calçada em Vicente Dutra, nas barrancas do Rio Uruguai, noroeste do Estado. São o cacique caingangue Roberto Carlos dos Santos, 42 anos, e o agricultor Altair dos Santos Bueno, 49 anos, o Palmeira.


Altair mostra cicatrizes de confrontos do passado | Foto: Carlos Macedo



A inimizade deles nasceu, cresceu e vem sendo nutrida por uma disputa de 715 hectares, travada desde de 2004 entre colonos e indígenas. Além das propriedades rurais, a terra reivindicada pelos indígenas atinge o empreendimento Águas do Prado, que tem 250 cabanas e recebe 600 turistas por ano. Em 1997, 40 famílias de caingangues chegaram à cidade reivindicando a terra, que teria pertencido aos seus antepassados. Em 2004, o Ministério da Justiça assinou uma portaria declaratória reconhecendo o direito dos índios. A área foi demarcada pelo governo em 2012, e o passo seguinte seria indenizar as 60 famílias de agricultores pelas benfeitorias feitas nas propriedades. Por pressão das entidades que defendem os colonos, a indenização não aconteceu, e o processo de assentamento dos índios parou. Enquanto isso, os caingangues vivem em uma vila que ocupa dois hectares, à beira do Rio dos Índios. Santos tem 37 hectares de terra no interior da área reivindicada e se posiciona fortemente contra as intenções dos índios, inclusive fazendo discursos inflamados nas reuniões dos colonos.

Em novembro do ano passado, os caingangues invadiram o balneário e trancaram estradas ao redor da cidade. Na ocasião, Bueno fazia um bico de segurança. Ele foi agredido pelos índios — não pela função que exercia, mas pelos discursos inflamados — e sofreu vários cortes de faca e perfurações de lanças, como mostram as cicatrizes. O índios invadiram e vandalizaram 103 cabanas e colocaram fogo em uma. Uma parte dessa história está no boletim de ocorrência feito por Neli Pinton, tesoureira do balneário.

A reação

Os colonos reagiram. Um grupo de 400 moradores se reuniu e cercou os índios. Havia gente armada dos dois lados, lembram o prefeito da cidade, João Paulo Pastorio, e o cacique Santos. Não houve uma tragédia porque os dois grupos tomaram consciência de que aconteceria uma carnificina, recordou Valdeci Steffen, 44 anos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais.

— O que aconteceu em Faxinalzinho (a morte de dois agricultores em conflito com os índios) nos lembrou que podemos ter outro confronto aqui e talvez não tenhamos a mesma sorte da última vez, quando não houve tragédia — preocupou-se Steffen.

Ao conversar sobre o que aconteceu no ano passado, o cacique Santos culpa a pressão dos políticos pela interrupção do processo de assentamento dos índios. E descreve a situação em Vicente Dutra como um barril de pólvora como um pavio curto aceso.


O cacique Roberto Carlos | Foto: Carlos Macedo



— Uma hora um índio e um colono podem se cruzar aí pela rua e olhar um na cara do outro e acabar se matando. Isso pode ser o estopim de uma grande briga — imagina o cacique.

A imaginação dos agricultores também é povoada por pensamentos semelhantes aos do líder indígena. O casal de colonos Clodomiro e Marlene Antunes tem uma propriedade de 90 hectares dentro das terras reivindicadas pelos índios. O marido faz parte da comissão de agricultores que luta na disputa das glebas com os caingangues.

— Nós e os índios somos adversários obrigados a conviver juntos. Isso só pode terminar mal, rezo para que não se repita o que aconteceu em Faxinalzinho — acredita.

A vida parou

Na terra disputada pelos índios, pelos colonos e pela Associação dos Amigos da Água do Prado, proprietária do empreendimento, a vida econômica parou. As propriedades rurais estão virando favelas, como descreveu Nelci Almeida, 45 anos, que vive em 12,5 hectares com a mulher, Eliene Gonçalves, e três filhos — entre eles Luana, companheira de Valdir Doarte, 27 anos.

— Nós não pintamos a casa. Não reformamos as máquinas agrícolas. O mato está crescendo na lavoura. É como se a nossa vida tivesse sido congelada — compara Nelci.

Eliene lembra que, quando transita do centro da cidade até a sua casa, passa pela frente da área indígena e sempre ouve piadinhas. Uma das culturas fortes na área é a plantação de porongos usados para fazer cuias de chimarrão, e há várias pequenas indústrias da região que são abastecidas pela produção local. O agrônomo e empresário Jairo André Julio, 23 anos, diz que a família tem tradição no cultivo de porongo, um negócio que gera 300 empregos nas cidades próximas.

— As plantações de porongos vão ficar para os índios. O que vai sobrar para nós?

Em Pontão, indígenas reivindicam 35 mil hectares

Há menos de um ano, na beira da estrada que liga Passo Fundo a Pontão, nasceu o acampamento indígena do Butiá. Ali, um aglomerado de famílias caingangues reivindica a posse de 35 mil hectares de terra que teriam sido ocupados por antepassados nos anos 1930. Eles teriam sido expulsos com chegada dos colonizadores.


Acampamento Butiá, em Pontão | Foto: Carlos Macedo



— Os índios abandonaram a área porque um fazendeiro da região convidou a tribo para um churrasco. A carne havia sido envenenada, e muitos caingangues morreram — afirma o cacique do acampamento, Amandio Vergueiro, 75 anos, um veterano na luta pela retomada de áreas indígenas.

Nas proximidades do acampamento, há uma comunidade chamada Bugre Morto, que teria ganho esse nome em razão do episódio do churrasco, segundo o cacique. A história contada por Vergueiro é difícil de ser comprovada. Mas, para os caingangues, o relato é real e serve de mote para fortalecer a luta pela terra. Muitos acampamentos como o Butiá surgem sob a inspiração de histórias contadas pelos antigos. Geralmente, os índios que vão para os acampamentos reivindicar terras estão fugindo de conflitos familiares nas regiões onde viviam.

E, diferentemente dos índios que vivem em reservas oficiais do governo — áreas protegidas pela União —, os que se alojam em acampamentos para disputar terras estão fora dos programas governamentais que apoiam os indígenas.

Na definição do cacique Vergueiro, o acampamento é um cutelo no meio das costelas daqueles que tomaram as terras dos índios. Não deixa de haver verdade nessa visão. Sempre que um acampamento consegue sobreviver e chama atenção das autoridades para suas reivindicações, sua presença desvaloriza o preço das terras vizinhas.

sábado, 10 de maio de 2014

CACIQUE E ÍNDIOS SÃO PRESOS POR SEGURANÇA

ZERO HORA 09/05/2014 

PF diz que prendeu índios durante reunião por segurança. Cinco indígenas suspeitos de matar dois agricultores foram detidos



Delegado Sandro Luciano Caron afirmou que momento era o "mais seguro" para prender os indígenas
Foto: Bruno Alencastro / Agencia RBS


A prisão de cinco índios durante uma reunião que tinha a intenção de mediar o conflito agrário em Faxinalzinho, no norte do Estado, foi questionada por autoridades e agricultores do município. Segundo eles, a ação da Polícia Federal (PF) de Passo Fundo deixou o clima ainda mais tenso e o prefeito teve de deixar a cidade, por medo de ser linchado.

O superintendente regional da PF no Estado, delegado Sandro Luciano Caron, explicou que os mandados de prisão temporária dos índios foram expedidos na segunda-feira pela Justiça Federal de Erechim, com parecer favorável do Ministério Público Federal (MPF) do mesmo município. Desde então, a PF de Passo Fundo buscava localizar os suspeitos.

— A equipe agiu certo. Soubemos que os suspeitos estariam nesta reunião e decidimos agir. Não havia outra oportunidade para efetuar a prisão — relata.

Sobre a ação da PF de interromper a reunião entre o governo, índios e agricultores, o delegado explicou que era o momento “mais seguro” para realizar as prisões.

— Não podíamos esperar a reunião acabar, pois isso poderia oferecer um risco à ação. Foi o momento mais seguro para a polícia e para os detidos — argumenta Caron.

Os cinco indígenas foram presos temporariamente, por 30 dias. Entre os detidos estão o cacique Deoclides de Paula e o irmão dele. Outros três índios estão com mandado de prisão decretado.

Conforme a PF, no dia do crime, os índios seguiram um grupo de agricultores em seis veículos. A investigação apontou o envolvimento de pelo menos 28 indígenas no crime.

Caron não deu detalhes sobre o inquérito, que segue em sigilo, mas afirmou que mais pessoas podem ser presas. Os indígenas detidos foram encaminhados à delegacia da PF em Passo Fundo, mas por segurança serão transferidos para outra região.

Os irmãos Alcemar Batista de Souza, 42 anos, e Anderson de Souza, 26 anos, foram mortos a tiros e pauladas no dia 28 de abril.


ZH 09/05/2014 | 21h15


Indígenas do Norte organizam reunião em Faxinalzinho. Polícia Federal e Brigada Militar montaram esquema de parceria para reforçar a segurança no município



O cacique Deoclides de Paula é um dos detidosFoto: LUCAS CIDADE / RÁDIO UIRAPURU,Divulgação


Após a prisão de cinco índios pela Polícia Federal em Faxinalzinho, no Norte, a Federação das Organizações Indígenas do Estado afirmou que fará uma reunião com índios envolvidos em conflitos agrários na região neste sábado.

O presidente da entidade, Zaqueu Kaingang, disse que há diversos grupos organizando as viagens, e um ônibus com indígenas já chegou ao município. A reunião está prevista para ocorrer no final da tarde. Antes de partir para Faxinalzinho, Kaingang relatou que dará uma entrevista coletiva na Capital, às 12h, na Lomba do Pinheiro.

Para garantir a segurança no município, o delegado Sandro Luciano Caron, superintendente regional da Polícia Federal no Estado, afirmou que o órgão montou um esquema de parceria com a Brigada Militar. Além de agentes federais, policiais militares do Pelotão de Operações Especiais (POE) de Erechim e do Batalhão de Operações Especiais (BOE) de Passo Fundo estão na cidade para evitar novos confrontos.

No dia 26 de abril, dois agricultores morreram devido a um suposto conflito com indígenas. Nesta sexta-feira, cinco índios foram presos temporariamente por suspeitas de envolvimento no crime.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

BARRIL DE PÓLVORA


ZERO HORA, 07 de maio de 2014

BLOG ROSANE DE OLIVEIRA 
COM JULIANO RODRIGUES


Faxinalzinho não é o único barril de pólvora


Levei um puxão de orelha do prefeito de Faxinalzinho, Selso Pelin (PPS), entrevistado nesta manhã no Gaúcha Atualidade, por expressar minha preocupação com as crianças que estão sem aula desde que dois agricultores foram torturados e assassinados por índios no interior do município. O prefeito está convencido de que nós, na cidade, não temos uma ideia precisa do clima de tensão ente índios e agricultores em Faxinalzinho e em outros municípios do norte do Estado.

_ O que é um ano sem aula perto de uma vida perdida? _ perguntou o prefeito.

Se não me conformo com a ideia de uma criança ficar 15 dias sem aula porque as autoridades não conseguem garantir a segurança, imagine um ano. Pois o prefeito disse que teve de suspender o transporte que leva os alunos do interior para as escolas porque nos sete ônibus viajam índios e brancos e não quer colocar a vida das crianças em risco.

O relato do prefeito, que decretou estado de calamidade pública logo depois do assassinato dos dois agricultores, é dramático. Pelin deixa claro que Faxinalzinho não é o único barril de pólvora por conta da demarcação de áreas para índios, que ameaça deixar famílias inteiras desalojadas das terras que cultivam há três ou quatro gerações.

O Ministério da Justiça está sendo omisso. Agora que o caldo entornou, promete-se uma solução jurídica que permita pagar com dinheiro os pequenos proprietários que tiverem suas terras desapropriadas para entrega aos índios. Na letra fria da lei, esses agricultores só poderiam receber indenização por benfeitorias, em geral casas e galpões de baixíssimo valor. Há casos de desapropriação em que o governo paga com títulos sem liquidez, o que impede o desalojado de comprar outra área para trabalhar.

“Sou agricultor desapropriado de Planalto desde 2001 o governo está me indenizando com precatório. Onde vou comprar terras com precatórios?”, perguntou, por torpedo, Silvestre Waliszevski, durante o programa.

O prefeito reafirma as denúncias feitas pelo deputado Luiz Carlos Heinze de que há registro de suicídios e de mortes por doenças decorrentes da depressão dos agricultores. Diz também que caciques arrendam terras de reservas para fazendeiros e levam uma vida de luxo, enquanto a tribo passa necessidades e vive do artesanato ou das cestas básicas fornecidas pela Funai. São denúncias graves, que precisam ser apuradas. O que não se pode aceitar é que as autoridades sigam empurrando o problema com a barriga, enquanto as crianças vivem em clima de terror, longe da sala de aula, esperando pelo fim do conflito ou pelo dia em que, sem alternativa, suas famílias migrarão para a periferia das cidades, engrossando as fileiras de desempregados ou subempregados, porque a habilidade de cultivar a terra para produzir alimentos não habilita ninguém para trabalhar em fábricas ou escritórios.


sexta-feira, 2 de maio de 2014

A QUESTÃO DA TERRA E A OMISSÃO ESTATAL



OPINIÃO ZH, 02 de maio de 2014


Quando o Estado se ausenta, a anarquia se instala


DIOGO SQUEFF FRIES
Advogado

A solução para o conflito entre agricultores e índios está distante. Ele traz, de um lado, a pretensão indígena de ampliação de seu território; de outro, os agricultores buscando fixar regras mais restritivas para os procedimentos demarcatórios.

O conflito teve capítulo fatal na noite de segunda-feira, dia 28, na cidade de Faxinalzinho. Após o bloqueio da estrada por índios que reivindicavam a demarcação de terras, teve início um confronto que culminou na morte de dois agricultores. No dia seguinte, foi decretada situação de calamidade pública devido à insegurança. O medo foi instaurado.

Longe de adentrar na análise da disputa, o que se percebe é a total omissão do Estado na adoção de iniciativas que poderiam ter evitado o ocorrido. Omissão esta que se verifica em não levar adiante definições inadiáveis sobre o tema. O descaso não é pontual. Quando o Estado se ausenta, como acontece com a questão indígena _ e paradoxalmente intromete-se em questões que não lhe dizem respeito, gastando recursos ineficientemente _, a anarquia se instala para preencher a lacuna deixada pelo poder público. A atuação do Estado acaba se dando de forma paliativa, e não preventiva como deveria. E, o que é pior, não é repreensiva o suficiente, gerando impunidade.

Aos olhos de muitos dos nossos governantes, é preferível não se indispor com nenhuma das partes envolvidas. O problema é que, com isso, o sentimento de desproteção se disseminou, a ponto de cidadãos decidirem fazer justiça com as próprias mãos, como no caso dos pichadores que tiveram seus corpos pichados; dos menores infratores acorrentados a postes na via pública; do confronto fatal entre índios e agricultores.

O modelo atual, de uma máquina pública ineficiente e ao mesmo tempo inchada e perdulária, esgotou-se. O que precisamos é de um Estado consciente e que não fuja das suas reais responsabilidades, deixando de imiscuir-se, por outro lado, em atividades que não lhe dizem respeito.

INTERESSE COMUM DE AGRICULTORES E INDÍGENAS

OPINIÃO ZH, 02 de maio de 2014

Devemos discutir a viabilização da justa indenização

MARIA PATRÍCIA MOLLMANN
Procuradora do Estado


Nas demarcação de terras indígenas emerge um conflito entre dois interesses legítimos. Por esta razão, eles devem ser equacionados, a fim de que seja encerrado tal conflito.

Por um lado, há o direito das populações indígenas, previsto na Constituição Federal, no art. 231 e seus parágrafos, que busca compensá-las do confinamento a que foram submetidas em face da política de colonização do Estado brasileiro e da política de “aculturação” daquelas populações. Na outra ponta dessa política de colonização, estão aqueles que compraram terras do próprio Estado brasileiro e lá residem, desenvolvem suas atividades produtivas e seus laços culturais e afetivos.

Nas demarcações de terras indígenas, há dois focos principais de discussão. O primeiro, e que não será objeto de aprofundamento, é se a área reivindicada pelas comunidades indígenas pode efetivamente ser considerada como de ocupação tradicional e, portanto, ser de direito originário das populações indígenas. Neste ponto, não há como generalizar as definições e soluções. Elas serão construídas dentro dos processos administrativos ou judiciais e dependem da particularidade e histórico de cada área.

O segundo foco de discussão é a justa indenização daqueles que, em razão da declaração de tradicionalidade, tenham seus títulos de propriedade nulificados. Em uma interpretação literal, a Carta Magna, no § 6º. do art. 231, veda a pretensão indenizatória pela perda da terra nua nas demarcações realizadas pela União Federal. Contudo, não há como se ver justiça nesse dispositivo constitucional, pois o ônus pela equivocada opção do Estado brasileiro no processo de colonização não pode ser suportado por particulares, mas, sim, dividido com todos. E tal só será possível quando for afastada a vedação de indenização e explicitarem-se os instrumentos legais que a permitam. Assim, devemos discutir na sociedade e no parlamento federal a viabilização da justa indenização aos proprietários de boa-fé. Esta certeza de compensação pela perda da terra não resolveria todos os problemas e conflitos, mas certamente auxiliaria em uma condução mais pacífica das demarcações e na construção de consensos. E isto interessa tanto a agricultores quanto a indígenas. Só não interessa àqueles que querem o conflito.


Editoria de Opinião, às 11:07